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Descanso de Ideais

  • Foto do escritor: Pâmela Queiroz
    Pâmela Queiroz
  • 11 de mai. de 2024
  • 2 min de leitura

Atualizado: 8 de jun. de 2024



Entre cobranças e autocobranças, vive-se endividado de ideais. “A certa coisa certa a se fazer/ E diz que só queria descansar/ De quem a gente mesmo escolheu ser”, diz o trecho de  uma canção de Cícero Lins (Eu Não Tenho um Barco, Disse a Árvore). Expõe o cansaço da busca por um “ser” que jamais se encontra completamente, mas que no que se encontra (parcialmente) necessita pausar. 


É que nos diversos ideais perseguidos pelo sujeito — ideais de aparências, carreira, comportamento, etc., não há promessa de satisfação garantida. A lapidação do “ser” em sociedade se faz infinita. A vida em civilização requer cortes de gozo, impõe uma felicidade limitada (FREUD, 1930/2010). Em meio a exigências por vezes conflitantes, internas e externas, certo nível de mal-estar é inevitável. 


Há o sentimento de culpa por uma perfeição civilizatória inatingível (ora, certo nível de agressividade e de desejo proibido persiste mais ou menos refreado em cada sujeito) e também pela promessa de prazer primitivo irrealizável. Conforme propõe Herbert Marcuse (1975), filósofo que examina a relação entre Eros e Civilização em Freud, a cultura repressiva impõe e se compõe de indivíduos culpados pelo imperdoável assassinato do pai primitivo — aquele descrito em “Totem e Tabu” (FREUD, 1912-1913/2012) — e também culpados pela abdicação da própria liberdade/felicidade ao reviver tal pai em forma de tabus, regras, instituições, ideais. Isto é, há culpa/dívida de todos os lados: pela transgressão cometida em relação ao Outro e pela própria castração.


Nesse sentido, o sujeito trai tanto ao Outro como a si mesmo, vive em culpa e necessário grau de insatisfação. Dividido entre um Outro que cobra o máximo “altruísmo” e a autocobrança de felicidade proibida. No percurso entre um ideal e outro, constitui seu “ser”, escolhe “ser” (às vezes às excessivas custas de si mesmo ou em descompasso ético) e deste pouco descansa. 


Tal descanso pode emergir como possibilidade de reavaliação de escolhas, de revisão dos investimentos entre si e os demais, de ressignificação de regras e permissões. Afinal, o sujeito há de perguntar-se: até que ponto deve podar-se pelo Outro?


Pâmela Cristina Almeida Queiroz

Psicóloga │ CRP 17/6233



REFERÊNCIAS


FREUD, Sigmund (1930). O mal-estar na civilização. In. FREUD, S. Obras completas, Vol. 18. Tradução Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.


FREUD, Sigmund (1912-1913). Totem e tabu. In. FREUD, S. Obras completas, Vol. 11. Tradução Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.


MARCUSE, Herbert. Eros e civilização: Uma interpretação filosófica do pensamento de Freud. Tradução Álvaro Cabral. 6. ed. Rio de Janeiro: Zahar editores, 1975.



 
 
 

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