Tempos na Estação...
- Pâmela Queiroz
- 14 de nov. de 2024
- 2 min de leitura

Certa noite em uma rodoviária, me encontrei ao lado de uma senhora de cabelos muito brancos e olhos muito infantis. Disse que aguardava ônibus já há décadas, o que estranhei, pois percebia o intenso movimento ao redor.
Imaginei que pela idade talvez já não enxergasse tão bem e a identificação do ônibus passou despercebida. Afinal, quem passa décadas em uma rodoviária?
A senhora me disse que chegou ali ainda adolescente, perdendo as primeiras viagens por pura inexperiência. Tinha pressa e corria de um lado para o outro indecisa, entrava em um ônibus e logo saía, não suportava aguardar o tempo para saída e a demora dos demais passageiros na acomodação das malas. Buscava outro e outro, mal reparava no destino. É que naquela idade o mundo inteiro era um destino.
Naquele momento, reparei em suas lágrimas: os olhos já adultos. Me disse que tudo teria sido diferente se tivesse escolhido um só caminho, qualquer que fosse, e seguido. E se fosse o destino “errado”? Ainda seria menos do que não caminhar, do que deixar o corpo atrofiar de tanto não viver, o espírito perder luz no cantinho esquecido de uma rodoviária.
Após, já adulta, me contou a senhora, finalmente decidiu qual ônibus pegar, sabia exatamente que caminho seguir. Porém, acabava tão distraída na multidão, que perdeu alguns, e depois tão pesada pelo acúmulo de bagagens, que perdeu outros pela lentidão dos próprios passos. Às vezes chegava a tropeçar nas malas e sobre elas permanecer por dias, semanas, meses e até anos. Tudo pesava tanto aos seus 27 anos!
Lá para os 30, até conseguia alcançar o ônibus correto, entrava e tudo. Mas sempre tinha a impressão de ter esquecido algo lá fora e, tal como na adolescência, descia antes da saída. Buscava algo na rodoviária, não sabia o quê. Algo perdido em algum tropeço dos seus 20 e poucos anos. Não sabia o quê. E eis que outras oportunidades de viajar desperdiçava, dessa vez por pura melancolia: a sensação de se perder em busca de um objeto perdido e desconhecido.
O grande problema do tempo, explicou a senhora, é o espaço: quando jovem demais, a gente olha muito para os lados; quando menos jovem, olha muito para trás. O tempo passa e a gente se perde no próprio espaço.
No fim das contas, foi chegando aos 60, 70 e agora 80, “presa” na rodoviária. Alguma sensação de liberdade só veio quando finalmente aceitou partir apesar da constante impressão de ser tarde demais e com malas de algum modo vazias.
E assim decide, devagar e aos tropeços, viajar pela primeira vez.
- Pâmela C. A. Queiroz
* Texto fictício para refletir a passagem em distintos tempos/espaços de existência.
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